27 de jul. de 2010

LETRAS SOLTAS


Hoje de manhã, chegaram aqui na aldeia uns Jains que vão para Varanasi. Vou com eles! Está decidido!... Janaismo! Esta estranha religião, que nasceu no século 6 antes de Cristo, foi fundada por um contemporâneo do Buda, de nome Mahavira. Alguns deles usam panos, outros, os mais radicais, andam nus. A sua filosofia, pelo o pouco que eu sei, é de, já mais matar ou comer, qualquer tipo de ser vivo. Alguns usam panos tapados na boca, para que não entre qualquer tipo de ser vivo e possam engoli-lo. No chão que pisam, têm o cuidado de já mais matar qualquer tipo de animal. Seria para mim, impossível seguir estas crenças, mas eles têm todo o meu respeito!... Neste dia chuvoso, sem falar, juntaram aos intocáveis no fogo protegido por uma cobertura de palha contra a chuva. Beberam água e, depois de longos minutos, ao notarem que eu era estrangeiro trocaram algumas palavras comigo, agora sei, que vão para Benares. Vou com eles! É a minha oportunidade de lá chegar, me ver livre dos homens de branco, que me perseguem faz tanto tempo, que não me dão tréguas, nem nos meus sonhos. Creio, que, finalmente, vou realizar o meu sonho, e será o fim da minha peregrinação, nesta índia até agora, de pesadelos.

- Mas onde raio vai Roberto buscar tanta fantasia? Sei que ele é um homem culto de muitas leituras mas tudo tem o seu limite. Bem! Talvez na loucura não existe um limite entre o real e a fantasia. Se o psiquiatra não me tivesse escrito aquela carta dizendo que o meu amigo está internado na clínica em Basileia creio que acreditaria nas suas escritas surreais mas fascinante na forma como ele escreve. Escreve de forma solta e simples como muito poucos escritores conseguem. Mesmo sabendo da situação do dilecto há momentos que esta ficção me despista da realidade. Talvez foi este o grande veio de alguns escritores como Joice, Borges, ou Fawlkner?... A linha invisível entre o ser e o não ser? … Com os olhos cansados de ler dou fé que só a lâmpada da mesa não chega poiso os papéis estendo a mão até o interruptor que está ao meu alcance acendendo uma lâmpada néon do tecto que cintila alguns segundos e depois espalha claridade no atelier… Retomo de novo a leitura que continua assim:

…Num sol abrasador, saímos hoje da aldeia dos intocáveis. Os Jains, todos nus, eu a traz, embrulhado em trapos, a caminho de Benares. A minha emoção é tal, que os homens de branco desapareceram dos meus vistos. Talvez seja, a presença forte destes discípulos do Janaismo, quem afugentou os malditos?...
Depois de muito caminhar, a paisagem vai mudando. Vacas circulam por todos os prados e campos por onde passamos, as mulheres com os seus saris coloridos, oferecem-nos de beber e, os Jain silenciosos, agarrados a um tipo de vassouras de palha fina, vão afastando todo o tipo de animal para não os pisar. Eu, sigo a traz, faço o mesmo…
Na aldeia de Sakrancipul o chefe da aldeia, um homem com bens, oferece-nos a sua casa, mas os Jain, preferem ficar no centro da aldeia, aquecendo no fogo, onde lhes é oferto, legumes e água. Eu, com o cansaço que levo em cima, que é maior do que a cruz do mundo, aceito dormir numa casa, onde três mulheres lindíssimas, servas do dono da aldeia, me dão banho e servem-me um jantar com excelentes chamurças, arroz com caril, e outras iguarias, que matam a minha fome miserável, da aldeia dos intocáveis. Vestindo umas calças de linho branco, naufragado num mar de almofadas, durmo como há muitos séculos não dormia, sonho com as três beldades que me oferecem os seus corpos divinos. O sonho é tremendamente erótico, elas usam posições do famoso Camasutra para excitar-me, momentos depois, tenho uma ejaculação vulcânica, acordo todo molhado. Meio envergonhado, vou para a casa de banho no pátio, lavar-me, e tirar o cheiro de amêndoa doce, característico do esperma. Regressando para a cama improvisada no chão, durmo de seguida e, como se fossem breves segundos, numa luz diáfana, com a noite ainda a despedir do dia, as meninas acordam-me, oferecendo-me um copo de chá. Avisam-me no seu inglês melódico, que os Jain já estão de partida. Tenho que apressar-me, mas… Com o sonho que tive, apetece-me ficar por aqui, aqui, nesta aldeia, talvez casar com uma destas lindas mulheres! Mas não!... LEMBRANDO DA HORRIVEL HISTÓRIA passada em Calcutá, desisto definitivamente destes pensamentos. As Mulheres, sempre foram, a minha desgraça!... Melhor seguir o caminho da espiritualidade, libertar-me de todos os desejos da carne. Benares é o meu caminho, hei de lavar no Ganges, toda a minha miséria terrestre…

- Parando para beber água respiro e afirmo para os meus botões que vou ler esta história da índia até o fim. Por o meu amigo estar em Basileia internado não me impede de ler tudo aquilo que escreveu. Para mim aquilo que ele escreve é pura literatura. A barreira entre o real e o irreal eu quero que se foda!... Com o calor que faz bebo metade de uma garrafa fresca de água. Espreguiçando e bocejando em voz alta continuo a leitura.

… Varanasi, Benares é a coisa mais louca já mais vista na terra. Ao Chegar-mos, despedi-me dos Janins, eles, silenciosos como sempre, foram pelas ruas varrendo o chão, e as pessoas respeitosamente afastando destas bizarras criaturas. Seguindo o meu destino, fui para uma das margens do Ganges, onde milhares de pessoas estão banhando. Nas famosas escadas sentado, contemplo homens e mulheres, velhos e velhas, entrando na água do enorme rio sagrado. Ao lado de umas colunas, piras de madeira, queimando corpos dos mortos, que aqui vieram morrer. Suas cinzas, serão lançadas no rio e, segundo as suas crenças, irão juntar-se aos deuses, no infinito cosmos. É assim, que quero morrer! Mas primeiro vou encontrar com os Sadus, estas gentes que abandonaram toda uma vida material. Alguns foram banqueiros, gente de muitos bens, abandonaram tudo para vir entregar a vida a meditação aqui em Benares, até o dia da sua morte…

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