11 de mar. de 2010

ULISSES A ESPERA DE PENÉLOPE


Ulisses a espera de Penélope.

Ulisses como todos os rapazes de S. Vicente tinha os olhos voltados para a baía do Porto Grande. Deslumbrado com os vapores da Blue Star e da Mala Real ancorados na baía da velha cratera em semicírculo enxergava também o Monte – Cara a bela montanha secularmente contemplando as nuvens passando feito um poeta em silencio…

Ulisses nos seus sonhos idealizava a distante Argentina nas Américas… e, um belo dia enchendo-se de coragem foi ter com António Cara Linda um abastado negociante de barcos e velho amigo da sua família…
Tirando o boné em sinal de respeito entrou no enorme armazém de Cara Linda repleto com miríades de cordas tintas e outros objectos marítimos para Ulisses desconhecidos e no fundo do gigantesco armazém encontrou António Cara Linda sentado numa velha cadeira americana de vai vem a moda dos Cow Boys com as pernas estendidas numa enorme mesa de mogno repleta de papéis velhos… lia um jornal desportivo.
Após cumprimentar e sem rodeios Ulisses foi directamente ao assunto… Expressando de forma clara prometeu a António Cara Linda jurando por Deus…que iria trabalhar arduamente na terra das pampas e um dia devolve-lo o empréstimo para a viagem à terra das pampas das vacas infinitas e terra de um tal de Jorge Luís Borges um poeta cego…

Cara Linda homem bondoso e antigo emigrante que após trinta anos de dura labuta no mundo tinha regressado endinheirado a cidade do Mindelo compreendeu perfeitamente o direito de sonhar do rapaz e foi com ele generoso…

Anos mais tarde depois de muitas vicissitudes já bem da vida Ulisses era o mulato mais desejado em todo Doc Sur – Buenos Aires… Bailava Tango melhor do que ninguém trabalhava com primor e já tinha amealhado em pouco tempo uma considerável fortuna vendendo charutos de contrabando. Visitava frequentemente as alcovas e bordéis das belas senhoritas Portenhas mas sem nunca esquecer a sua Penélope a mulata mais linda da ilha que ele carregava numa foto religiosamente na sua carteira de couro argentino…

Após uma longa troca epistolar com Penélope que durou cinco anos e cinco meses resolveu pedir aos pais da donzela a sua mão foi grande a alegria de Ulisses quando recebeu a alegre epístola com a bênção dos progenitores da amada…

Através de um procurador e com rígidas instruções dadas por Ulisses foram regrados todos os papéis na inflexível burocracia colonial na ilha e meses depois já tinham marcado o dia do casamento… Obviamente por procuração devido a ausência do noivo emigrante na distante Argentina…


Naquele dia a cidade brilhou! … Contam os mais velhos da ilha que Penélope até hoje é sem dúvida a mais linda de todas as noivas… Naquela data memorável fora conduzida ao altar pelo excelentíssimo Sr. Doutor juiz Manuel da Cunha e Sacramento Pais Ferreira e Silva padrinho do enlace por ordens de Ulisses.

Célebre foi a festa do enlace com centenas de convidados distintos na sala do Nho Jom Tolentino no bairro Monte onde tudo foi foguetes tambores e manjares que durou cinco dias sem parar…

Terminada a ressaca da festança duas semanas mais tarde Penélope aproveitando um barco de carreira embarcou para Buenos Aires numa noite de Fevereiro com um frio cortante um escuro de breu e a maldita cacimba chicoteando as costas dos remadores se mi nus de um dos botes de António Cara Linda que transportou a beleza para o vapor inglês ancorado…

Penélope como o coração apertado de saudade da sua família triste embarcou no navio inglês Faith um barco da mala real que rumava primeiro ao porto de Santos no Brasil e logo para a capital Argentina…
Com um ambíguo sentimento de curiosidade e saudade Penélope deixara os pais no cais chorando acenando a sua princesa com lanternas acesas naquele piche nocturno tropical no velho cais da alfândega com as suas gruas fálicas fornicando as estrelas…
Era a hora di bai… pensou Penélope naquela noite lembrando por momentos a bela morna do poeta Eugénio Tavares… e, com certa nostalgia também escutou o chapinhar dos remos cadenciados do bote entrando e saindo da água salgada do imenso mar…

Com o paquete cortando o azul do mar e do céu num esforço titânico no segundo dia de balanço do mar Penélope logra sair da cabine depois de ter vomitado as tripas coração de tanto chorar até não ter lágrimas para derramar tanta saudade…
Com as pernas tremendo dirige-se para o salão da nave e, ao entrar pela a porta adentro depara com um passageiro Cabo-verdiano… um belo homem com quem já tinha cruzado na pequena praça Nova da cidade do Mindelo…
O cavalheiro de paletó branco e sapatos a duas cores que brilhavam impecavelmente ao avistar a formosa mulata levanta e convida-a cordialmente para a sua mesa do amplo salão inglês decorado com um enorme quadro com motivos de uma caçada onde homens a cavalo e uns sabujos raivosos perseguem uma raposa numa floresta deprimentemente escura certamente pintado por um pintor medíocre mas com uma certa habilidade kitsch…
Com o cabelo crespo alisado com brilhantina a moda de Carlos Gardel e um bigode perfeitamente simétrico o elegante homem é um aventureiro que reside em Salvador da Baía está regressando a terra do candomblé após longas férias no seu arquipélago terra onde nasceu.
Com seu ar de sedutor afro-latino Penélope não resiste ao charme do peralta e no quinto dia de navegação ela é seduzida de forma admirável pelos gestos graciosos do cavalheiro e suas bonitas palavras no belo e cantado português do Brasil…

Foi desflorada com mestria num piscar de olhos pelo astuto António Cabo-Verde um malandro cafétão conhecido em todas as esquinas de Salvador da Baía. Amaram-se perdidamente fornicaram até a exaustão perante a indiferença da tripulação…

– Penélope nunca chegou ao seu suposto destino! … E, como dizia um velho sábio: O destino?... O destino a gente faz! …
Arrasado pela fatalidade e sem nunca perceber o destino da amada louco de dor Ulisses perdeu a noção do tempo…
– Hoje está velho e andrajoso tem uma barba enorme e uns cabelos sujos desgrenhados feitos punhais prontos para espetar-lhe no coração destroçado… Triste Ulisses senta todos os dias horas sem fim no cais numero 7 de Doc Sur Buenos Aires acompanhado do seu fiel cão Argos. Olha firme para o vazio do imenso horizonte…
Dizem que está esperando o fantasma da amada perdida que nunca chegou aos seus braços.

Tchalê Figueira

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