25 de mar. de 2010

LETRAS SOLTAS


–... Calcutá é uma loucura! Da luxuosa e arrumada Suíça senti-me como Hércules quando baixou ao inferno de Hádes… Hércules ao menos consegui vencer o demónio… E eu?... Ao contrário de Hércules afocinhei no poço profundo da minha miséria humana. Ao sair do azafamado aeroporto vi vagabundos leprosos ratazanas carros motas riquexôs e uma desvairada cacofonia. Milhares de pedintes a minha volta de repente fazem com que eu entre em parafuso…. Começo a gritar!... Milagrosamente vinda de nenhures sacode-me uma mulher falando inglês com sotaque indiano mas de tal forma suave que a sua voz dá-me tranquilidade e regressa de novo a minha alma… Mister, please come with me… good hotel… hipnotizado e bêbado deixo-me conduzir até uma rua calma. Meus sentidos começam de novo a apurar vejo uma pequena loja tipo alfarrabista que desperta a minha curiosidade. Quase que arrastado por ela vou com a mulher até a porta da loja vejo na sua montra suja salpicada com lama caca de moscas e outras manchas indecifráveis um livro com a obra completa do poeta Rabinat Tagor fico emocionado digo a mulher: Please… hear…Surrealistamente volto a cabeça enxergo umas vacas deambulando em busca de comida desato a rir de forma patética com as pernas tremendo. Entro na loja deparo com um velho com uma enorme barba branca e uma guedelha que quase arrasta pelo chão. Dá-me as boas vindas com doces palavras. Juntando as suas duas mãos cheias de rugas no peito diz: Bem-vindo estrangeiro! Veio a procura da sabedoria?... Aqui encontrará belos livros!… Com o dedo aponto-lhe o livro de Tagor ele faz-me um sorriso e logo continua: Ah!Rabindanaht Tagor! o orgulho da nossa cidade!... O Sol da Índia. Ele ganhou o premio Nobel com a sua grande obra Gitanjali(Ofrenda Lírica)… Consinto com a cabeça lentamente vai até a montra mete na minhas mãos as obras completas do poeta que cheiram a mofo fico comovido… Afinal!… no meio do caótico e do mísero também existe a esperança de uma nova luz!. Conversamos um bocado sobre o poeta a sua dimensão altruísta na criação da universidade de filosofia de Santiniketan… Com o rabo do olho vejo num canto um livro sobre a historia do imperador Asoka. O grande imperador que depois de muita peleja formara um grande império e mais tarde converteu-se ao Budismo tornando-se num grande defensor do pacifismo… Foi o primeiro soberano a criar leis sobre os direitos humanos e, pelo incrível que pareça para os animais e plantas… Também foi defensor daquilo que hoje chamamos de ecologia… – O velho alfarrabista notando de forma perspicaz o meu interesse pelo livro vai até um canto da loja acender uns paus de incenso num ápice um fumo magico deambula no ar que ensandece de forma suave a atmosfera… A mulher ao meu lado parece uma estatua mas escuta atentamente a conversa com o magro indiano com seus pés negros descalços com unhas semelhantes as garras de um falcão… Ele vai a prateleira onde está o livro de Asoka agarra-o num gesto lento poisa o livro numa cadeira repleta de teias de aranhas que não parecem incomoda-lo. Entre o cheiro a incenso e o mofo de repente sinto paz no meu peito. Agarrado no livro de Rabinat com a mão esquerda meto a direita no bolso pago-lhe com um punhado de dólares que ele conta sorrindo… agarra a biografia de Asoka entrega-me o livro que meto debaixo do braço conjuntamente com o livro do poeta. Digo adeus ao simpático velho saio pela velha porta com a mulher indiana que parece acordar de uma profunda meditação… ela diz-me: Let,s go Syr…

- Terminado a leitura de mais um a4 repouso a folha na mesa ao lado das outros já lidas e grito fortemente... Chiça!… Raios!... Grande suspance!... A ver onde irá parar toda esta loucura! …Bolas! O excelente vinho terminou!... Vou a cozinha abrir outra garrafa… não é igual a anterior mas! … Enrosco a rolha com o saca-rolhas puxo a rolha e… faz bum!!! … Inesperadamente me vem em mente este belíssimo poema de Rabinat Tagor:
Se não falas:
Se não falas, vou encher o meu coração

Com o teu silêncio, e aguentá-lo.

Ficarei quieto, esperando, como a noite

Em sua vigília estrelada,

Com a cabeça pacientemente inclinada.
A manhã certamente virá,

A escuridão se dissipará, e a tua voz

Se derramará em torrentes douradas por todo o céu.
Então as tuas palavras voarão

Em canções de cada ninho dos meus pássaros,

E as tuas melodias brotarão

Em flores por todos os recantos da minha floresta...

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