1 de out. de 2009

AMOR

Quando Salomão Levy recebeu o aziago telegrama anunciando a morte do pai, soube de seguida que tinha que abandonar a sua amante a baronesa dona Filipa de Ferreira, as óperas no teatro D. Carlos que tanto adorava, e as farras em Lisboa, naquele tempo turbulento. Apreensivo, (talvez pensando na herança) teve que embarcar no primeiro paquete da companhia colonial pronto a cumprir o seu destino. Numa manhã de um dia chuvoso e triste de um mês de Dezembro, bem cedo, o vapor zarpou do cais de Sodré, rumo à sua ilha natal São Vicente, onde lhe esperava grandes responsabilidades. Sendo filho primogénito, e irmão de mais cinco irmãs, que também viviam naquele tempo, à grande e à francesa na capital lusitana à custa do pai Isack Levy, próspero comerciante na cidade do Mindelo, que, ao chegar a casa depois de um bom negócio, despejava o conteúdo dos bolsos das calças e da jaqueta… – libras esterlinas em ouro, que atirava para a cama, com colchas da ilha da Madeira e, em alto e bom som, gritar: Mulher!... Hoje!... Foi um dia e pêras…

- Após dez dias de viagem, comendo sopa no enfadonho e lento barco a vapor – o tempo cura todos os males – Salomão Levy sentiu-se conformado com a decessa do progenitor, e, numa manhã quente de Dezembro nos trópicos, avistou o ilhéu dos pássaros, com a sua forma cónica de falo em erecção, sentiu saudades do sexo cheiroso da baronesa dona Filipa de Ferreira…

Desembarcou do vapor ancorado na bela baía do Porto Grande, descendo por uma escada de quebra costa. Ágil que nem gato, saltou para dentro de um dos vários escaleres da família que viera espera-lo por ordem da senhora sua mãe; um belo escaler de seis remos tripulado por fortes remadores negros e mulatos, todos empregados da firma Levy. Remando com aparente alegria, com a vinda do jovem patrão, num diabo esfrega um olho, chapinhando e puxando com perícia os longos remos, vinte minutos depois, fizeram uma agradável atracação no Cais da Alfandega.
Com as pernas todavia sentindo os balanços do mar, chegou a enorme casa colonial da família a cem metros do cais, e deparou com um conjunto de senhoras trajadas rigorosamente de preto do bico dos pés à cabeça, atónito pensou para os seu botões, que a tradição em nada mudara na ilha. Caramba! Até os brincos das pranteadeiras, estavam forrados de preto.
Reconheceu algumas das carpideira que foram jovens mulheres na sua infância antes de abandonar Mindelo, agora, velhas, com rugas no rosto da sua miséria, com o aspecto de velhos corvos agoirentos. Era mais que certo, que tinham sido contratadas pela senhora sua mãe, para uma recepção teatral de falsas lágrimas.
Salomão nota que as carpideiras estão todas cheias de grogue na testa, tentam ensaiar um carpido, são autoritariamente postas no largo da rua pelo novo patrão que, determinadamente, fala nestes termos a senhora sua mãe: “Senhora minha mãe!... O senhor meu pai morreu, sou doravante, o senhor desta casa. Choramingas não trarão de volta o senhor meu pai… Todos sentimos com profunda magoa a sua morte, mas a vida continua minha senhora! … Gostaria… gostaria, exactamente de saber, como é que ele faleceu, a verdadeira causa da sua morte.
– Chocada com a frieza polar do filho varão, a mulher quase desmaia, pede um copo de água com açúcar à empregada, e, depois de sorver uns quantos goles do adocicada liquido, de seguida senta num sofá com as pernetas a tremer. Bebe mais algumas gotas e, de seguida, com as mão a tremer, poisa o copo numa pequena luxuosa mesa de prata marroquina. Segundos depois, de forma lacónica, começa a relatar factos: “Teu pai que a alma descanse em paz, tinha aqui na ilha muitos inimigos… ao regressar a casa depois do funeral do seu amigo, Dr. António Silveira, foi lavar e fazer a barba… De repente!...vindo da casa de banho, oiço um terrível lamento – “ Mataram-me mulher!” – Corri assustada para ver o que se passava com o meu Isack, deparei com ele morto, rígido que nem um pau, caído no chão com a boca cheia de uma espuma branca… Dizem, que foram os militares e os padres a…Sabes! Ao regressar do enterro do velho amigo, antes de vir para a casa, foi prestar condolências a família enlutada… como naquele dia fazia-se sentir um imenso calor em São Vicente, pediu um copo de água fria a empregada, foi-lhe oferto uma limonada envenenada que ele bebeu inocentemente… segundo os nossos amigos mais íntimos, foram os inimigos da maçonaria…

- Salomão Levy, naquele remoto dia em que a mãe contou-lhe de forma triste o suposto homicídio do pai, jurou vingar, mas os anos foram passando, esqueceu completamente da vendetta…
Maravilhado com as lindas crioulas e o dinheiro que fluía cada vez mais com o prospero negócio dos barcos, esquecera por completo a sua promessa de retaliação…
Fornicou tudo quanto era cama na ilha, casadas, solteiras, virgens, teve imensos filhos legítimos e ilegítimos e, muitas das mulheres que não suportavam o comportamento mulherengo do Casanova, após alguma pressão, com uma ajuda pecuniária de Salomão, emigravam para as Américas, ou para a velha Europa.

Continuou ganhando dinheiro aos montões, escutava com nostalgia óperas dos mestres Italianos no sobrado do escritório da mansão, onde fornicava muitas das suas amantes, num catre americano. Tudo era perfeito, tudo corria as mil maravilhas. – Mas o destino traiçoeiro, tem das suas!

- Num belo dia de Setembro em que Salomão Levy andava pelos lados do mercado de peixe na faina de negociar peixe, depara com a mulher que lhe desmorona por completo seu charme de bode macho. Pelo mais incrível que pareça, o dom Juan apaixona-se pela primeira vez na sua vida, ao ver tanta beleza resplandecendo de uma só mulher. Dirige-se que nem um bólide junto a preciosidade, tira conversa fiada, aborda a mulata Olinda inúmeras vezes com papo furado, ela não dá bola. Tenta alicia-la com chocolate Suíço, mas em vão. Como tem que terminar um importante negócio, retira completamente exaurido, mas não rendido.
Completamente perturbado com a tampa, da beleza das belezas, fica aflito, e só mais tarde através dos seus informadores vem a saber, que Eulinda é sobrinha de um comerciante menor, um orgulhoso, que é conhecedor da má fama de Salomão Levy, o destruidor de inocências. Proibira a sobrinha Olinda, de ter qualquer tipo de conversa com o mal afamado comerciante.

Desesperado mas sem êxito, Salomão Levy meses sem conta tenta aproximar-se da menina, mas nada de nada consegue. Olinda a bela, continua firme e serena, mesmo sabendo que Salomão Levy, é um dos mais belos homens na ilha.
Enfermo de tanta paixão, perde o apetite, deixa de jogar uril, golfe, e futebol e, o mais estranho ainda, milagrosamente pára de fornicar as suas inúmeras amantes. Jura pela alma do defunto seu pai, que irá desposar Olinda, custe o que custar.
Exausto de tanta insistência, num belo dia num céu azul de Maio, enche-se de coragem e vai ter com os tios de Olinda, aquela mulher que não lhe dá tréguas na mente, nem um segundo se quer.

Trajado com maior elegância possível, vai bater à porta do comerciante, é recebido com frieza; mas por delicadeza é convidado a entrar, e polidamente lhe é indicado um sofá de couro gasto para ele se sentar. De seguida lhe é oferecido um grogue, que educadamente recusa, por ser homem que sempre afirma, que a única bebida alcoólica que ele gosta, são as mulheres.
Tamanha é a aflição de Salomão, quebra o gelo da cerimónia ensenada, e, sem papas na língua, vai directo ao assunto. Os tios da menina, humildes, mas de um orgulho quase doentio, escutam atenciosamente as palavras do galam sobre as suas intenções com Olinda, são inflexíveis ao pedido do rapaz, recusam definitivamente o pedido de casamento de Salomão Levy.

Desesperado, sai da pequena casa do humilde comerciante cabisbaixo, deambula pelas ruas de Mindelo, mas na sua teimosa cabeça não desistiu.
Os tios de Olinda fazem tudo para desgosta-lo da sobrinha, mas o soberano Salomão Levy vai até ao fim… Rapam Eulinda o seu belo cabelo a zero, ele não desiste. Acha-a todavia mais bela do que antes e, a onde quer que ela vá, com a sua cabeça rapada, Salomão Levy está presente, pairando a sua volta.
A família da bela mulher, mesmo assim nunca verga perante a tamanha insistência do tenaz cavalheiro, e encontra uma nova artimanha, para desgostar Salomão Levy definitivamente de Olinda.

Foi terrível. Os tios, fartos do rico comerciante, têm uma abominável ideia, que pensam ser, a solução definitiva para a desistência do cavalheiro.

- Ora! Naqueles tempos no Mindelo, a maioria das casas não tinham instalações sanitárias, as pessoas defecavam em latas que, às nove da noite, com a cidade vazia de transeuntes, eram transportadas até um sítio chamado Caizim, onde eram despejadas as fedorentas latas de merda. Um cheiro nauseabundo invadia as ruas do Mindelo todas as santas noites, naquela hora em que nem os cães ladravam e era só visto, o cortejo das párias mulheres mal pagas, carregando nas suas cabeças, aqueles esgotos aéreos repugnantes…
– Olinda a pobre, foi maldosamente decretada pelos tios, a fazer aquele ofício de pária, no intuito de Salomão Levy desistir do seu querer. Mas não foi o caso! Todas as noites às nove em ponto, na ponta da esquina da casa da amada, Salomão espera por ela, e segue a traz de Olinda, que caminha envergonhada e com passos lentos, atravessando as ruas mal iluminadas da cidade com o conteúdo da lata fétida. Elegante e perfumado, mas sem qualquer tipo de nojo, Salomão acompanha Olinda sem pronunciar palavra até a cloaca. Espera que ela termine o despejo, silenciosamente regressa ao lado dela sem dizer palavra. Um belo dia, acontece o milagre!... 24 Meses passados, Olinda gradualmente começa a trocar algumas palavras solta com Salomão Levy, até que um belo dia ela enche de coragem, não aguenta mais, e confessa a Salomão, que também o ama, profundamente.

Morrendo de felicidade, Salomão dá a língua nos dentes com todas as pessoas que encontra nas ruas da cidade, a notícia espalha pelo Mindelo, e com a boca do povo a pedir justiça, sem mais estratégias e argumentos os tios de Olinda dão a mão à palmatória.
Meses depois, casam-se os pombinhos, na maior felicidade deste mundo, depois de tantos percalços.
A enorme tenacidade de Salomão Levy, foi salva pelo amor, esta força, que Eugénio Tavares poetizou, e cantou com estas palavras: Se Deus não tem media, amor ainda é maior…

2 comentários:

ManuMoreno disse...

Digo SUBLIME, como afirmo que este conto tem um temperamento de frases sem as veses, mas sim com sentido intelectual e cultural do memsmo Autor.
Nota: Fiquei satisfeito comigo mesmo por ter lido o conto.

ManuMoreno
Kel abxom di Kuraxom!!!

Tchale Figueira disse...

Oi ManuMoreno! Há quanto tempo.

Obrigado e fico contente por teres gostado do conto.

Aquele abraço