21 de mar. de 2009

Conto por tchale Figueira

Quando Salomão Levy recebeu o aziago telegrama anunciando a morte do pai, soube de seguida que tinha que abandonar a sua amante a baronesa dona Felipa de Ferreira, as óperas no teatro D. Carlos que tanto adorava, e as farras em Lisboa naquele tempo turbulento. Apreensivo, (talvez pensando na herança) teve que embarcar no primeiro paquete da companhia colonial pronto a cumprir o seu destino. Numa manhã de um dia chuvoso e triste de um mês de Dezembro bem cedo, o vapor zarpou do cais de Sodré rumo à sua ilha natal São Vicente, onde lhe esperava grandes responsabilidades. Sendo o filho primogénito e irmão de mais cinco irmãs que também viviam naquele tempo à grande e à francesa na capital lusitana à custa do seu pai Isack Levy um próspero comerciante na cidade do Mindelo que, ao chegar a casa depois de um bom negócio, despejava o conteúdo dos seus bolsos das calças e do casaco – libras esterlinas em ouro que atirava para a cama com colchas da ilha da Madeira, e logo em alto som gritar: Mulher!... Hoje!... Foi um dia e peras…

- Após dez dias de viagem comendo sopa no enfadonho e lento barco a vapor – o tempo cura todos os males – Salomão Levy sentiu-se conformado com a decessa do progenitor e numa manhã quente de Dezembro nos trópicos, avistou o ilhéu dos pássaros com a sua forma cónica de falo em erecção e teve saudades do sexo cheiroso da baronesa dona Felipa de Ferreira…

Desembarcou num calor infernal num dos muitos escaleres da família no cais Novo da alfandega e, ao chegar a casa, deparou com umas senhoras trajadas rigorosamente de preto do bico dos pés à cabeça, com brincos forrados de preto.
Entre elas, deparou com algumas carpideiras que tinham sido contratadas para a recepção dolorosa do Jovem Salomão Levy pela senhora sua mãe, inconsolável, que chorava aos cântaros.
As pranteadeiras tentam ensaiar um carpido, são autoritariamente postas no largo da rua pelo novo patrão que determinadamente fala nestes termos a sua mãe: “Senhora minha mãe! O senhor meu pai morreu, sou doravante o senhor desta casa. As choramingas não trazem de volta o homem. Todos sentimos com profunda magoa a sua morte, mas a vida continua minha senhora! … Gostaria de saber como é que o senhor meu pai faleceu, a causa da sua morte – Chocada com a frieza polar do filho varão, a senhora pede um copo de água com açúcar à empregada e, depois de sorver uns quantos goles da água adocicada de seguida sentar no sofá com as pernas a tremer. Bebe mais algumas gotas e, com as mão a tremer, poisa o copo numa pequena mesa de prata marroquina. Laconicamente começa a relatar: - “O teu pai que a sua alma descanse em paz tinha aqui na ilha muitos inimigos… Ao regressar a casa depois do funeral do amigo o Dr. António Silveira, foi fazer a barba… De repente!... Da casa de banho oiço o terrível grito – “ Mataram-me mulher!” – Corri para ver o que passava com o meu Isack, deparei-o morto caído no chão com a boca cheia de uma espuma branca… Dizem que foram os militares… Ao regressar do enterro do amigo ele foi prestar as suas condolências na casa do morto e como fazia um imenso calor pediu um copo de água fria e foi-lhe oferto um refresco. Segundo os seus amigos mais íntimos foram os inimigos da maçonaria que o envenenaram…

- Salomão Levy naquele remoto dia em que a mãe contou-lhe o suposto homicídio do pai jurou vingar a sua morte mas os anos passaram e esqueceu completamente da sua vendetta…
Maravilhado com as lindas crioulas e o dinheiro que fluía cada vez mais com o prospero negócio dos barcos esqueceu da retaliação.
Fornicou tudo quanto era cama na ilha teve imensos filhos legítimos e ilegítimos e muitas das mulheres que não suportaram o comportamento do incorrigível Casanova com a sua ajuda pecuniária emigraram para as Américas ou para outros países distantes.
Continuou ganhando dinheiro aos montões, escutava com nostalgia óperas dos mestres Italianos no sobrado da mansão onde fornicava as suas amantes num catre americano, tudo era perfeito tudo corria as mil maravilhas. – Mas o destino traiçoeiro tem das suas!

- Num belo dia de sol em que Salomão Levy anda pelos lados do mercado de peixe na faina depara com a mulher que lhe desmorona por completo seu charme de bode macho. Pelo mais incrível que pareça o dom Juan apaixona-se pela primeira vez na sua vida e ao ver tanta beleza resplandecendo de uma só mulher dirige-se à mulata Olinda. Tenta aborda-la mas em vão.
Perturbado com a recusa mais tarde através dos seus informadores vem a saber que Eulinda é sobrinha de um comerciante menor que, sendo conhecedor da má fama de Salomão Levy o destruidor de inocências proíbe a sua sobrinha qualquer tipo de aproximação do mal afamado Casanova.
Desesperado e sem êxito Salomão Levy meses sem conta tenta aproximar-se da menina mas nada de nada consegue. Olinda a bela continua firme e serena mesmo se Salomão Levy é um dos mais belos homens na ilha.
Enfermo de tanta paixão perde o apetite deixa de jogar uril e golfe e milagrosamente pára de frequentar as suas inúmeras amantes. Jura pela alma do defunto seu pai que irá desposar a bela Olinda custe o que custar.
Exausto e estancado de tanta insistência num belo dia solarengo do mês de Maio enche-se de coragem vai ter com os tios da formosa moça que não dá tréguas a sua mente em nem um segundo de descanso.
Trajando com maior elegância possível vai bater à porta do comerciante e é recebido com frieza. Convidam-no polidamente para sentar num sofá de couro vermelho logo lhe é oferto um grogue que educadamente recusa. Sem papas na língua de tanta aflição vai directo ao assunto mas os tios da Olinda humildes mas orgulhosos escutam o que o galam tem a dizer mas são inflexíveis recusam o pedido de casamento. Desesperado sai da pequena casa do humilde comerciante cabisbaixo mas a sua teimosa cabeça não desiste. Os tios fazem tudo para desgosta-lo da bela sobrinha orgulhoso e soberano Levy vai até ao fim… Rapam Eulinda o cabelo a zero ele não desiste. Acha-a todavia mais bela do que antes e a onde quer que ela vá com a sua cabeça rapada lá está Salomão Levy pairando a sua volta mas a família da jovem mulher não verga perante a insistência do tenaz cavalheiro…

Foi terrível. Os tios de Olinda fartos do próspero comerciante têm uma abominável ideia que pensam ser a solução definitiva para desistência de Salomão Levy.

- Naqueles tempos no Mindelo a maioria das casas não tinham instalações sanitárias as pessoas defecavam em latas que às nove da noite com a cidade vazia de transeuntes eram transportadas até um sítio chamado Caizim onde era despejada a fedorenta merda. Um cheiro nauseabundo invadia a cidade do Mindelo naquela hora que nem os cães ladravam e era só visto o grupo de párias e mulheres mal pagas carregando nas suas cabeças aqueles esgotos aéreos repugnantes… – Olinda foi maldosamente decretada pelos seus a fazer este ofício de serviçal no intuito que Salomão Levy desistiria do seu intento. Mas não foi o caso. Todas as noites às nove em ponto na ponta da esquina da casa da amada Salomão segue a traz de Olinda que caminha com passos lentos nas ruas da cidade com o conteúdo da lata fétida. Elegante e perfumado e sem qualquer tipo de nojo acompanha-a altivo até a cloaca e regressa de Caizim ao lado da jovem que passados meses gradualmente começa a trocar palavras soltas com Salomão e um dia lhe confessa que também o ama. A notícia espalha pela cidade sem remédio os tios de Olinda dão mão à palmatória e
meses depois os dois casam na maior felicidade depois de tantos impedimentos e percalços. A enorme tenacidade de Salomão Levy salvou o seu amor e o da sua amada Olinda.

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